Peço encarecidamente que antes de iniciar a leitura do texto abaixo, você deixe de lado todo preconceito relacionado à religião, doutrina, crença ou crendice.
O ano era 1989, éramos uma família brasileira, na fé e na persistência.
As coisas nunca foram fáceis para nós, o dinheiro suado não era devidamente aproveitado, além dos problemas encontrados em muitas famílias relacionados ao difícil e turbulento convívio dos pais, associados e energizados pela ação do álcool e do ciúmes.
A vida era levada do jeito que dava, e por convenção éramos católicos. Daqueles que freqüentavam a igreja em casamentos e missas de sétimo dia.
Meus pais tiveram três filhos, sendo eu o primogênito e mais duas meninas, que na época tínhamos 10, 7 e 2 anos respectivamente.
Morávamos em uma casa térrea, no entanto, as janelas da cozinha e da sala davam para o terreno vizinho, situado cerca de 10 metros abaixo de nosso nível e não havia nem grades, nem redes de proteção para estas janelas.
Nesta mesma época, lembro que freqüentávamos a casa de minha madrinha (irmã de meu pai), onde sua sogra fazia reuniões de orientação utilizando sua humilde mediunidade em favor do próximo, através de uma baiana.
(Abrindo um parênteses, hoje escrevo com mais conhecimento no assunto, no entanto, na época tinha apenas 10 anos de idade e a mínima noção do que de fato se passava. Lembro apenas de brincar com meus primos, enquanto eles, os adultos, se reuniam na sala e conversavam com a mãe de meu tio, que falava de um jeito estranho, fumando um charuto e bebendo “água”)
Tenho vagas lembranças destas reuniões, onde às vezes, íamos cumprimentar esta baiana que tratava as crianças de uma maneira alegre e descontraída.
Lembro também de seu nome, aliás, jamais esqueci a inesquecível “Maria Baiana”.
Acredito que meus pais freqüentavam estas reuniões em busca de ajuda, orientação, paz no relacionamento, bem, creio que sentiam-se protegidos e amparados por esta baiana.
Antes de continuar e terminar esta história, entendo que vale ressaltar que esta freqüência não era assim tão assídua e realmente não posso julgar se meus pais seguiram as orientações dadas pela baiana, mesmo porque, eles pararam de freqüentar estas reuniões e não sei ao certo a razão.
Voltando à história, certo sábado, em que meu pai provavelmente estava trabalhando, minha mãe precisou comparecer pela manhã na loja de roupas que trabalhava nos dias de semana. Acho que foi ajudar, pelo menos meio-período, e analisou que poderia deixar as crianças sozinhas em casa dormindo. Como eu tinha 10 anos, talvez conseguisse dar conta de minhas irmãs até que minha mãe voltasse.
E assim ela foi, deixando suas crianças em casa sozinhas dormindo.
E foi neste sábado, que acordei assustado (sabe quando damos aqueles pulos como se seu corpo estivesse caindo ou voando) e fui diretamente para a cozinha (sem ir ao banheiro antes, coisa que provavelmente a maioria de nós faz ao levantar), quando vi minha irmã menor, de 2 anos, pendurada na janela com meio corpo para fora e meio corpo para dentro, e seus pequenos pés já não estavam mais apoiados na cadeira que tinha empurrado para perto da janela, para conseguir alcançá-la.
Bem, nesta hora, eu sem emitir qualquer tipo de som para não assustá-la, fui andando para perto dela até que consegui abraçá-la, tirá-la da janela e colocá-la no chão.
Minha outra irmã continuava dormindo, quando decidi não contar o ocorrido a ninguém. Sei lá que tipo de análise fiz no momento, mas como não tinha acontecido nada, não precisava ficar falando. Só eu sabia e saberia.
Semanas depois, meus pais decidiram ir à casa de minha madrinha para participar de mais uma reunião com a baiana. As coisas em casa não estavam fáceis. Nunca foram.
Tudo igual, a mesma separação de sempre, as crianças iam brincar enquanto os adultos se reuniam para conversar com a baiana.
No entanto, esta reunião foi diferente, e marcante, pelo menos para mim.
Tudo acontecia na naturalidade de sempre, quando no meio da reunião a baiana pede para meu tio me chamar.
Eu deixo meus primos e minhas irmãs e vou até a sala, acompanhando meu tio com um certo medo da baiana. Afinal, nas outras reuniões ela apenas nos tratava com alegria mas sem muito contato, sem muita conversa.
Quando chego à sala, todos também não estão entendendo o que está se passando direito e nem porque eu fui chamado.
Eis que a Maria Baiana pega em minhas mãos, olha bem dentro dos meus olhos e diz:
- “Menino. Fui eu que te acordei!”
Após ficar perplexo, pois não havia contado o incidente a ninguém, tive que contar todo o ocorrido a meus pais, que também ficaram boquiabertos.
Com esta pequena história, não tenho interesse algum em fazer apologia a nenhum tipo de religião ou crença. Quero somente partilhar este momento, que fez com que eu não tivesse dúvidas sobre uma proteção, que mesmo sem ver, estava presente.